1/4 - DIVISÃO - FICÇÃO



Desenhei o caminho que percorria durante as viagens de comboio casa-atelier e em contraste de um espaço de consolo. Via as duas divisões de cima, de fora, com a paisagem nas costas. O que não era desenho era:
um quarto com um pequeno lavatório de porcelana, janela a este e, a cada 2 semanas, roupa pendurada numa teia de cordel que embolorava o colchão;
um atelier grande, vazio, dividido a 5, janelas a sul e o desenho a oeste;
um pano cru à altura do corpo, largura dos braços abertos, desenho a carvão;
Os desenhos passaram de pequenos sistemas-símbolos a mapas-esquemas de um espaço encarnado – um processo de habitar uma divisão e a qual é preenchida, mais tarde, pela estabilidade de um corpo: atelier de conforto.
Foi a imensa distância entre mim e estes dois quartos que me incentivou a procurar num terceiro em movimento a possibilidade de um espaço de onde vejo e não sou vista. E fui encontrando formas de controlo, tipos de opressão que chegam à minha esfera privada, que nunca será privada, mas iminentemente instável. Fui encontrando o que elabora à priori uma posição horizontal subversiva.
Em Mouth to Mouth Impercfect Mithology discutíamos um espaço íntimo como uma ideia de cerimónia e negação, de ritual. Discutíamos a possibilidade de o que veda o exterior ser símbolo de uma fábula interior. Acrescentámos ainda que A relação de forças é sempre definida por uma tensão entre o factual e o imaginário, na medida em que o imaginário, apresentando-se como versão alternativa, pressupõe necessariamente o factual. Só assim pode negá-lo, apresentar-lhe uma versão alternativa, resistente, confortável. (...) Porque é que o conforto é ficcional? Que conforto? E Virginia Woolf descreve ainda a ficção como uma representação de factos reais, que quanto mais verdadeiros os factos, melhor a ficção.
Hoje, o corpo vermelho ocupa inospitamente o EGEU. E da presença desse corpo advém a imagem do quarto à noite em oposição do seu reflexo no vidro: seria necessário procurar o conforto do espetador para lhe oferecer a sua própria vulnerabilidade.
Independentemente da fragilidade do material, da tonalidade da voz, o espaço ficcional é um contorno dos limites, interiores ou exteriores, do que lhe é imposto e a única fuga é a desconstrução dos mesmos: o látex em 5 anos desfar-se-á.

Luzia Carriço Cruz