GLASS CABIN
Bárbara Faden, Laura Caetano, Mariana Malheiro, Sofia Seidi & Zarya Austin-Fell
18.12.21 - 20.12.21

Texto de Luzia Carriço Cruz 













PT / EN

A exposição Glass Cabin de Bárbara Faden, Laura Caetano, Mariana Malheiro, Rita Leitão, Sofia Seidi e Zarya Austin-Fell corresponde ao segundo momento de um ciclo temático do EGEU dedicado a explorar a ideia de intimidade nas suas diversas dimensões - conceptuais e estéticas -, através de abordagens artísticas multidisciplinares.

Nesta exposição, exclusivamente composta por pintura, reúne-se um conjunto de trabalhos recentes de artistas da geração de 90, portuguesas e internacionais, que, apesar de apresentarem técnicas díspares, exploram um motivo comum: a criação de espaços interiores.

De forma mais figurativa nuns casos ou manifestando uma preferência pela abstracção noutros, este motivo traduz-se num interesse por representar cenas do foro doméstico e dinâmicas familiares, objectos e rituais do quotidiano ou ainda a relação do espaço com o corpo e com o material, remetendo-nos recorrentemente para a esfera da “casa” e da “privacidade”.

Com base neste entendimento, a exposição procura questionar as condições que levam as artistas a debruçarem-se sobre estas preocupações temáticas ou formais na sua prática pictórica, destacando as suas linhas de confluência e tensão, assim como reflectir sobre a medida em que um espaço interior pode ser entendido enquanto espaço íntimo.

Mariana Malheiro parte de arquivos de fotografias familiares, focando-se frequentemente em retratos de encontros colectivos, de que se apropria para actualizar as memórias representadas. Combinando diversos tratamentos da pincelada, isto é, tratando umas figuras de forma sintética e outras de forma mais pormenorizada, apresenta um trabalho com uma dimensão narrativa, que serve de eixo orientador para o ênfase dado aos motivos. Seja em episódios familiares à volta de uma mesa ou em em retratos individuais, em espaços fechados ou ambíguos, as suas figuras, de olhar não directo para o espectador, parecem encontrar-se num estado de introspecção, que fecham as cenas em si próprias, num universo e tempo particulares.

Também Sofia Seidi cria narrativas domésticas, mas representa-as como se vistas de fora, dando uma sensação de voyeurismo às suas pinturas. Emprestando-lhes uma vertente mais psicológica, a artista invade o espaço íntimo dos personagens que retrata, num questionamento sobre as suas práticas comportamentais quando se encontram sozinhos. Desta forma, desvela o seu universo quotidiano, num encontro com um universo fantástico a que recorre como forma de perturbar o primeiro. Colocando uma cabeça de bode numa figura humana ou uns olhos brancos desprovidos de vida numa mulher ladeada por morcegos, ambas em vestes de casa e em cozinhas, confere uma sensação de desconforto, ausência e disrupção a situações que seriam de outra forma mundanas.

Num contraste com a presença humana destas obras, Zarya Austin-Fell produz retratos de espaços domésticos, nos quais podemos encontrar apenas os objectos que os integram - uma mesa, cadeiras, copos de vinho, vasos de plantas. Como se anteriormente habitados ou à espera de o serem, estes espaços geram um foco sobre os rituais do dia-a-dia performados por meio desses mesmos objectos e a forma como estes moldam a identidade, não apenas das salas em que se encontram, mas também de quem deles poderá fazer uso. As suas peças exploram, portanto, a construção mútua entre os espaços, os objectos e os sujeitos que neles se inserem, realçando como a interioridade é um lugar subjectivo e mutável.

Igualmente interessada num estudo sobre o espaço e os objectos quotidianos que o formam, a fim de questionar os seus usos e propósitos, Rita Leitão constrói ícones, como uma mesa de cabeceira, uma tomada ou um canto de um quarto, que mapeiam e compõem tridimensionalmente a estrutura dos espaços domésticos que cria. Expostas em conjunto ou separadas, as pinturas permitem que nos questionemos sobre a alteração dos seus significados quando se encontram numa mesma composição ou isoladas das suas restantes partes. Para mais, nesta exposição, servem ainda de ligação entre as obras, ajudando a formar o espaço ficcional em que as mesmas habitam.

Bárbara Faden apresenta duas pinturas a pastel e óleo sobre papel realizadas num momento de transição do seu trabalho para uma expressão mais próxima da figuração. Num hibridismo entre um modelo abstracto com recurso a geometrização e referências mais directas a um par de pernas femininas abertas e isoladas, estas parecem caminhar ainda para a representação figurativa daquilo que são. As formas que compõem os corpos encontram-se, assim, num estado transitório em que podem também ser entendidos enquanto espaço ou paisagem. A noção de intimidade é, então, aqui explorada, não tanto por se representar um corpo, mas porque a artista cria um espaço delimitado que contém e realça os seus limites.

Já as pinturas de Laura Caetano têm a particularidade de serem compostas em látex, tanto na superfície do material como no seu interior. Nelas encontram-se estruturas arquitectónicas, figuras antropomórficas, objectos domésticos ou formas geométricas, que, a par dos meios tradicionais da pintura, são ainda fruto de materiais orgânicos como cascas de batata ou massa para móveis, que a artista utiliza enquanto ferramentas de desenho sobre o látex - já por si efémero. Podendo ser vistas dos dois lados, aquele onde a pintura assenta e o seu inverso, bem como através das mesmas (devido à sua transparência), a artista confere às obras uma dimensão escultórica. Consequentemente, possibilita um diálogo entre as faces das pinturas, abrindo um espaço comunicante no seu interior, assim como revela o espaço envolvente (neste caso, do EGEU) através das mesmas.

Desta forma, tal como o título da exposição indica ao aludir a um espaço de refúgio a descoberto, todas as artistas, mesmo que de maneiras distintas, trabalham sobre a forma como a intimidade se pode construir por meio do espaço, numa tensão entre desvelar e encobrir, seja este doméstico, conceptual ou corporal.